Pular para o conteúdo principal

Pedagogia do silêncio ou talking cure?



Jane Maiolo

E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? ¹

Realmente, atingíramos um momento singular na história da sociedade contemporânea. Todos temos vozes.

O homem do século 21, além de portador da voz, tem pressa. Tem desejos. Tem anseios. Tem sentimentos contraditórios que o promove a um status de “ser” singular, ativo, participativo, atuante e conectado. Entretanto, é notável que falamos demais e não dizemos nada. Opinamos a respeito de tudo e não fundamentamos nossos argumentos. Damos publicidade de nossos atos, gostos e opções, como se fôssemos celebridades, porém, somos incógnitos.

De tanto falar, quase não nos escutamos, afinal, barulho demais incita-nos à irritabilidade. Estamos no ponto alto para um colapso no campo das relações sociais, sobejamente virtuais.

Na contramão desse ambíguo comportamento social contemporâneo sabemos que existem realidades e situações que precisariam ter sido denunciadas, escancaradas, divulgadas, todavia, o silêncio fez-se e, ainda se faz presente, abundante e sádico.

A pedagogia do silêncio é prática comum e recomendada em muitos ambientes, principalmente religiosos. O silêncio, egóico, não é, nunca foi ou será salutar. De tanto silenciar, as pessoas desistem dos sonhos, das lutas, das realizações, dos ideais e perdem-se em suas noites mudas e cruciantes. Enfraquecem-se.

Numa ocasião ou noutra, defende-se o pressuposto mandatório do jargão: “O silêncio é uma prece”. Urge, porém, uma reflexão:  a pedagogia do silêncio infligido interessa a quem e para quê?

De tanto emudecer, o homem de bem jaz sem voz, taciturno, abatido e invisível. De tanto silenciar, fatos como “O Horror de Abadiânia”, perpetuaram-se, sob inúmeras vistas e empedrados lábios. Pela prática do silêncio, muitas instituições submetem-se a dirigentes manipuladores e dirigidos mudos. De tanto silenciar, o homem adoece, somatiza traumas, cristaliza emoções, materializa a enfermidade e extenua a vida física até a morte.

A proposta terapêutica do Ancestral Amigo é contemporânea: “Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes?”.

É importante, nas horas apropriadas, dispormos de ombros amigos para verbalizarmos nossas contrariedades, angústias, tristezas e insatisfações. Nós que sabemos articular a voz, precisamos aprender a expressar nossas emoções, senão adoeceremos por intoxicações afásicas. Nossas angústias precisam ser verbalizadas, caso contrário não haverá cura!

Jesus, nas anotações de Lucas, na passagem contida no capítulo 24, versículo 17, intitulado A caminho de Emaús, posiciona-se como o Sublime Terapeuta, aquele que extrairia da boca dos discípulos as angústias, fazendo-os falar e, posteriormente, consolando-os e libertando-os de tais sentimentos.

É tempo de falar, é tempo de curar, fale daquilo que te magoou, que te sufocou, que te oprimiu, visto que, quando não encontramos palavras para aparelhar nosso anseio, possivelmente, caminharemos para adoecer, pois a tristeza realimentada não é boa conselheira. É a cronificação da tristeza que extingue toda a configuração de vida e o alento que há nas criaturas. É a tristeza mórbida e continuada que nos mata. Não estamos mencionando aqui sobre as eventuais tristezas, ou seja, as temporárias, que todos experimentamos.

É inegável que existe em nós uma intensa, constante e vigorosa atividade inconsciente. Calar as angústias não significa que essas foram assentadas, porém, sabemos hoje que, nossas memórias são arquivos das experiências que se alojam nas estratificações da consciência, movimentando-nos fluxos e refluxos de emersões e submersões determinando nossas escolhas.

Que saibamos dar vozes as nossas reais percepções e optemos por construir uma consciência mais lúcida para espelhar as nossas reais necessidades ante os desafios da vida.

Jane Maiolo

Referências Bibliográficas:
1-    Lucas 24 :17.

*Jane Maiolo - É professora de Ensino Fundamental, formada em Letras e pós-graduada em Psicopedagogia. Formanda em Psicanálise pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Contemporânea, Colaboradora da Sociedade Espírita Allan Kardec de Jales. Pesquisadora do Evangelho. Colaboradora da Agenda Brasil Espírita- Jornal O Rebate /Macaé /RJ – Jornal Folha da Região de Araçatuba/SP –Blog do Bruno Tavares –Recife/PE - colaboradora do site www.kardecriopreto.com.br- Revista Verdade e Luz de Portugal, Revista Tribuna Espírita de João Pessoa,  Apresentadora do Programa Sementes do Evangelho da Rede Amigo Espírita. Janemaiolo@bol.com.br -

Postagens mais visitadas deste blog

O livro “Maria de Nazaré” do autor espiritual Miramez pela mediunidade de João Nunes Maia: Uma análise crítica”

Leonardo Marmo Moreira O zelo doutrinário e o cuidado em não aceitar utopias antes delas serem confirmadas é o mínimo de critério que todo espírita consciente deve ter antes de admitir algo dentro do contexto do estudo espírita. Esse critério deve ser ainda mais rigoroso antes do espiritista sair divulgando ou citando, enquanto expositor ou articulista espirita, tais dados ou informações como corroborações a qualquer ideia ou informações, ainda mais quando digam respeito a realidades de difícil constatação, tais como detalhes da vida do mundo espiritual; eventos espirituais envolvendo Espíritos de elevadíssima condição, episódios espirituais de um passado distante, entre outros. Esse tipo de escrúpulo é o que faz com que o Espiritismo não seja apenas uma religião convencional, mas esteja sustentado em um tripé científico-filosófico-religioso, cujo material de conexão dos vértices desse triângulo é a fé raciocinada.  Temos observado confrades citarem a obra “Maria de Naz

A Tangibilidade é uma Manifestação do Corpo Mental

  José Sola Um dos atributos de Deus apresentado por Allan Kardec é de que a Fonte Originária da Vida, em sua essência, é imaterial. Somos ainda informados pelo mestre Lionês, de que o espirito é uma centelha divina emanada do Criador, o que nos leva a concluir que o espirito é imaterial, tanto quanto Deus. E no intento de corroborar o que estamos informando, vamos apresentar algumas questões de Kardec que nos permitirá analisar com maior clareza este conceito. 25 - O espirito é independente da matéria, ou não é mais do que uma propriedade desta, como as cores são propriedades da luz e o som uma propriedade do ar? R – São distintos, mas é necessária a união do espirito e da matéria para dar inteligência a esta. Nestas palavras do Espirito da Verdade fica explicitado que espirito e matéria são elementos independentes, mas que é o espirito o eu diretor da matéria, assim, é ele que propicia inteligência a mesma. 26 - Pode se conhecer o espírito sem a matéria e a matéria

Armas de fogo para quê? Somos pela paz

Armas de fogo para quê? Somos pela paz Jorge Hessen  jorgehessen@gmail.com Brasília - DF  Um encontro entre jovens, em um condomínio de luxo de Cuiabá, se tornou uma tragédia no dia 12 de julho de 2020. Naquela tarde, como fazia com frequência, Isabele Guimarães, de 14 anos, foi à casa das amigas. Horas depois, a jovem foi morta com um tiro no rosto. A autora do disparo Laura, também de 14 anos, relatou à polícia que atirou de modo acidental em Isabele. A adolescente afirmou que se desequilibrou, enquanto segurava duas armas, e disparou. A família da Isabele não acredita nessa versão. Laura praticava tiro esportivo desde o fim de 2019. Ela participou de duas competições e venceu uma delas. (1) Hoje em dia , adolescentes como Laura podem praticar tiro esportivo sem precisar de autorização judicial, graças ao decreto assinado pelo atual presidente do Brasil. A família de Laura, a homicida, integra uma categoria que tem crescido no país, sobretudo durante o atual governo brasilei