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ECUMENISMO, DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E HUMILDADE


 Margarida Azevedo
Portugal



Numa sociedade em permanente mutação, tão rápida quão contágica, é natural que os conceitos, por natural consequência, sofram também uma aproximação dos seus significados. Esta resultante sequencial própria das línguas vivas enriquece o léxico e, com isso, aproxima e estreita laços entre as doutrinas, principalmente naquilo que até então era ponto de divergência. 

Assim se percebe que a aproximação humana é, antes de tudo, uma convergência linguística, lembrando que dizemos o mesmo segundo modos diferentes. 

O ecumenismo e o inter-religioso são disso um exemplo. Podemos viver na casa de uma espiritualidade com a mesma raíz e, nesse caso, ecumenismo significa o encontro entre os vários pontos de vista em torno de uma mesma organização-mãe. Se tomarmos como exemplo o Cristianismo, o encontro ecuménico seria a reunião de todas as igrejas e de todos os grupos cristãos. O mesmo se verificaria para as outras religiões. 

Mas se entendermos que a casa, ou a habitação, já não é o grupo com uma raíz comum, mas o próprio planeta, então o ecumenismo já não pode ser o diálogo entre os seguidores de uma espiritualidade com a mesma raíz mas um diálogo mais abrangente, extensível ao inter-religioso. 

Além disso, as origens da espiritualidade estão na Natureza. As cosmogonias fazem parte de todas as doutrinas; aprendemos que criou Deus primeiro o céu e a terra que, informe e vazia, foi preenchida com a diversidade estonteantemente fantástica de apresentações da vida. 

Ora a problemática das origens é o grande mistério para a Humanidade. Fonte inigualável de ritos, razão de ser dos profetas, raíz de fórmulas e preceitos religiosos, uma cascata inesgotável de onde brotam sem cessar religiões, fés, dizeres, preceitos, adorações. Podemos dizer que cada ser humano é, em si mesmo, uma forma de religião, pois é portador, em si mesmo, do mistério das origens, da vida bem como da capacidade de adoração. 

Os que temem o ecumenismo como diálogo inter-religioso porque se perde a verdade de uma doutrina, não confundam os fundamentos doutrinais com a Verdade absoluta que é Deus. Vivemos paredes-meias com o diferente desde sempre. Este não é mero fruto da globalização característica dos nossos dias. O ser humano antes de ser sedentário foi nómada e, como ser de relação que é, progrediu através de influências partilhadas. Por exemplo, o que seria do Cristianismo sem as suas fontes judaicas, gregas e romanas? Sem a sua ligação ao Paganismo através dos cultos da Natureza, das curas milagrosas que tantos rios de tinta fizeram correr, e ainda fazem? Sem a sua história emancipadora, que, sem dúvida, podemos pôr em causa, como por exemplo a cisma que levou à separação da reliião-mãe, o Judaísmo? Então os encontros, os diálogos inter-religiosos não serão uma mais-valia em prol da paz? Não será uma forma de repensar as origens, a descoberta de que temos todos muito mais em comum do que de pensamos? 

Há quem chegue ao ponto de dizer que uma paz nestas condições não interessa. Pois é, há quem ainda não compreenda que a Paz é a maior forma de fé que existe, a maior religião, o maior expoente de progresso civilizacional. Sem paz, a religião é mero discurso oco, vazio de sentimentos nobres, desprezível porque empobrecedor de uma linguagem cujo Verbo significa Criação e não destruição, morte, dor,insensatez, frivolidade. 

Não façam da fé um devaneio, nem da religião uma vaidade. É na humildade que se criam os grandes momentos do espírito. Enquanto não se perceber que “a minha religião é um caminho transitório, numa existência transitória, numa estada de uns escassos anos, meras dezenas, que, para alguns nem isso; que a minha religião está dependente do momento histórico e que a mesma muda de discurso consoante o desenrolar da História,e que, dessa forma, o mesmo se vai tornando diferente a cada dia que passa; que a minha religião e eu dependem de factores externos, que se nos impõem e que entram, não raro, em recta de colisão com toda uma vivência interior, e cuja luta pouco ou quase nada dominamos,” então, certamente, o outro é fonte de temeridade, com tudo o que ele representa. 

A humildade é a procura desse outro num propósito evolucionista que significa, entre outras coisas que o Leitor queira acrescentar, a alegria de se verem, de se olharem e dizerem milhentas coisas que estão por dizer. A humildade não conhece o mais e o menos. Estamos todos no mesmo patamar uma vez que somos todos habitantes do mesmo planeta. O ecumenismo é um dos seus filhos. 

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