A legenda do "povo ungido na terra da promissão” robustece a permanência de “núcleos” de domínio do movimento espírita brasileiro (Jorge Hessen)
A legenda do "povo ungido na terra da promissão” robustece a permanência de “núcleos” de domínio do movimento espírita brasileiro (Jorge Hessen)
Jorge Hessen
jorgehessen@gmail.com
Trafega há alguns anos nas redes sociais um vídeo
cuja temática versa sobre a confusa “missão” do Brasil como “Coração do mundo e
pátria do Evangelho". Assistimos o jornalista André Trigueiro fazendo
citações, mencionando uma pesquisa que aponta para tão-somente 11% dos
brasileiros que se declaram voluntários na área da filantropia.
Trigueiro alega que o Brasil é o país com maior
número absoluto de homicídios. Na hipotética “pátria do Evangelho” outra
questão gravíssima é o problema do aborto. Segundo estimativa da Organização
Pan-Americana da Saúde ocorrem no Brasil mais de 1 (um) milhão de abortos por
ano. No Brasil são roubados mais de 400 mil veículos, o que dá uma média
de 1 (um) veículo a cada minuto.
O jornalista destaca ainda que ocorre no Brasil o
maior escândalo de corrupção da história humana, revelado a partir da
“operação lava-jato”. Considerando os gigantescos valores financeiros
desviados, é um episódio sem precedentes na história da
humanidade. [1] Diante dessas informações instigantes, Trigueiro levanta a
questão se realmente o Brasil é a “Pátria do Evangelho coração do mundo”.
Um dos oradores, “movido” por entusiasmo aguçado
ousou aventurar determinadas e excêntricas anotações, visando explicar a
“missão” do Brasil. O palestrante expôs que os espíritas brasileiros
imaginam que o Brasil poderá ser um modelo político, econômico e social, e
que desfilará como uma grande “rainha” (sic...) diante de um mundo se
ajoelhando diante dela. Falou sobre Jesus tentando convocar seus
transcendentes colaboradores para improvisarem um inventário do cristianismo na
Terra. Descreveu a transfiguração do semblante de Jesus humilhado. Citou o
Cristo modificando estratégias, procurando na Terra um ambiente geográfico
especialmente “magnetizado”. E nos seus estranhos arroubos o orador se
superou ao descrever o Brasil como “o coração do mundo”, porque aqui se
encontra a maior concentração de magnetismo do planeta (?!). Afirmou
também que só reencarnariam no Brasil as turbas de espíritos
infelizes que se encontravam nas regiões mais tenebrosas do umbral, ou seja, os
espíritos que faliram nesses últimos milênios, quais sejam os soldados das
cruzadas, os inquisidores, os políticos corruptos de todos os tempos, os
generais homicidas da história, os religiosos que se desvirtuaram.
A “cereja do bolo” adveio com a citação da máxima
do Cristo aos seus colaboradores de então: “eu não vim para os sãos, mas para
os doentes”. Deste modo, o Brasil nada mais é do que um nosocômio, e
não uma galeria de arte e nem vitrine de ídolos e “santos” (imagine se
fosse, hein...?). Conclui então o aplaudidíssimo palestrante que no Brasil
está reunido o que há de pior no caráter dos humanos, por
isso é um grande hospital do Cristo para a regeneração dos réprobos da
humanidade.
Todos sabemos: nenhuma nação é e nem pode ser
espiritualmente mais importante do que as outras na Terra. Além disso, o
brasileiro se encontra espiritual e eticamente muito aquém a inúmeras nações
mais afáveis e dignas, especialmente no quesito probidade.
Como “hospital” torna mais evidente que o Brasil
não detém nenhuma missão espiritual peculiar diante do mundo. Até mesmo porque
nossa pátria é um dos países menos filantrópicos, sopesando a doações
financeiras e dedicação caritativa voluntária do serviço ao semelhante.
Considerando ainda todas as aberrações políticas e sociais, o que sobraria
nesse contexto para o suposto “hospital” ou “povo escolhido”? Seria o trabalho
dos espíritas leigos teleguiados pela “Cúria candanga”? Obviamente que não,
pois conhecemos como se encontra a confusa prática doutrinária no Brasil.
Por conseguinte, se compararmos com o mundo não
necessitamos fazer um esforço exagerado para observar os exemplos de
civilidade, respeito às leis e progresso que nos têm dado outras
nações. Quem mantém e difunde sofregamente a ilusão de “Brasil coração do Mundo...”
é a instituição centralizadora do M.E.B. a fim de manter o poderio que tem
domado com o seu universo místico e historicamente roustanguista, a massa de
manobra (espíritas neófitos) conduzida sob o tacão de uma ideologia primária e
dominante, anulando a possibilidade de um trajeto histórico e protagonista do
espírita mais leal a Kardec.
Creio ser urgentemente necessário que os líderes e
presidentes das federações estaduais (bispos de dioceses?!) consigam se
alforriar da “lavagem cerebral” ameaçadora que a “Cúria candanga” lhes inflige
sob o tacão do fadigoso jargão “quem não está com a “Cúria da L2 Norte de
Brasília” é desagregador e está com a treva”.
Os decênios passam, e a Cúria
candanga arrasta multidões enceguecidas com ela. É hora de
repensarmos esse nativismo bairrista que assemelha-se à ilha da
fantasia kardeciana tupiniquim. A verdadeira pátria do Evangelho é e deve ser o
coração de cada cidadão que se pautar nos preceitos da honestidade, da
liberdade e da bondade, ainda que por qualquer circunstância esteja
habitando países longínquos.
Como espírita brasileiro, confesso que sou um
entusiasta do Brasil e da potencialidade daqueles bons cidadãos brasileiros,
bem como de suas virtudes e cultura. Todavia enfatizo que essa visão de que
somos ou seríamos uma espécie de "povo ungido" na “terra da
promissão” é extremamente alucinante e só reforça a conservação de núcleos de
poder (que se revezam entre si) no movimento espírita brasileiro.
Referência:
{1} Debate realizado durante o 4º Congresso Espírita
do Estado do Rio de Janeiro, em outubro de 2015