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Fatos pós-Kardec na França e as primeiras edições francesas de A Gênese - Resenha do livro El legado de Allan Kardec


Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Oportuna e meticulosa pesquisa, o livro El legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich foi lançado na sede da Confederação Espírita Argentina, em Buenos Aires, aos 3/10/2017. O livro foi redigido em espanhol; contém 440 páginas, em formato 21X14cm, e ilustrações de dezenas de documentos franceses. Editado pela Confederación Espiritista Argentina, com distribuição pela Amazon (amazom.com). 

A autora Simoni Privato Goidanich é brasileira, bacharel em Direito e Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP; atua como Diplomata; recebeu prêmios e frequentou na Harvard University. A serviço do governo brasileiro, já residiu nos Estados Unidos, no Uruguai e no Equador. Nos países onde tem residido, dedica-se ao trabalho no movimento espírita. Autora de artigos publicados em periódicos espíritas e dos livros: El legado de Allan Kardec; Divulgación del Espiritismo: Enseñanzas del ejemplo de José María Fernández Colavida; Mediumnidad y Pases: Preguntas y Respuestas; Oratoria a la Luz del Espiritismo; coautora do livro Pases a la Luz del Espiritismo. Organizadora e tradutora da trilogia Revista Espírita - Periódico de Estudios Psicológicos: Colección de Textos de Allan Kardec. Apresentadora do programa Reflexiones Espíritas, da Rádio Bezerra Online, de Miami (EUA). Reside atualmente em Montevidéu, Uruguai, com seu marido, que também é diplomata. Atua no Centro Espírita Redención e colabora com a Federación Espírita Uruguaya.

A apresentação do livro foi redigida por Gustavo N. Martínez, presidente da Confederação Espírita Argentina, tradutor para o espanhol de várias obras espíritas e inclusive de A Gênese, de Allan Kardec, com base na 1a edição francesa de 1868, editada pela C.E.A. no final do ano de 2017.

Simoni Privato Goidanich esteve pessoalmente em Paris acessando documentações oficiais e também na histórica Associação Espírita Constancia, de Buenos Aires, que funciona desde 1877. A autora faz um meticuloso levantamento em documentos dos Arquivos Nacionais da França e da Biblioteca Nacional da França, reproduzindo significativas páginas dos mesmos, tendo por foco o livro A Gênese e instituições como a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, da sua sucedânea, a Sociedade Científica do Espiritismo, e, da então nascente União Espírita Francesa. Além dos documentos oficiais e de Atas, a autora faz sistemáticas citações da Revista Espírita (do período administrado por Kardec e dos anos seguintes), da revista Le Spiritisme, órgão da novel União Espírita Francesa, e de obras de Allan Kardec. Simoni cita muitas vezes o livro Beaucoup de Lumière (1884), de Berthe Fropo, atualmente disponibilizado em edição digital bilíngue: a tradução em português e o original em francês. Trata-se de espírita atuante, fiel a Kardec, e, amiga, vizinha e apoiadora de Amélie Boudet. 

O livro de Simoni se divide em duas partes. Na primeira parte são tratados assuntos sobre momentos significativos dos 10 anos após o lançamento de O livro dos espíritos; os papéis desempenhados por Léon Denis e Gabriel Delanne no movimento espírita francês e o relacionamento de ambos com Kardec; todos os episódios sobre o lançamento e as primeiras edições francesas de A Gênese; e a desencarnação do Codificador. 

Na segunda parte, a autora trata de questões legais sobre o nome e o pseudônimo de Kardec; a fundação da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec; comenta o chamado “o ano terrível” (1872), relacionado com o lançamento da 5a edição de A Gênese designada como “revisada, corrigida e aumentada”; o “processo dos espíritas”; os cerceamentos inflingidos à sra. Allan Kardec e sua desencarnação; a queima de arquivos e documentos da viúva de Kardec; o alerta do biógrafo de Kardec, Henri Sausse – “Uma infâmia” – apontando 126 alterações de texto na 5a edição de A Gênese; as nefastas deturpações executadas por Pierre-Gaëtan Leymarie em instituições e na Revista Espírita; as lutas e propostas renovadoras de Gabriel Delanne e León Denis e a fundação da União Espírita Francesa, em 1882.

No livro em análise ficaram evidentes as alterações de propósitos da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, depois transformada por Leymarie em Sociedade Científica do Espiritismo, e, também na linha editorial da Revista Espírita. Sobre esta revista fundada por Kardec, anota a autora Simoni que sob a direção de Leymarie: “as páginas estavam cada vez mais ocupadas com artigos sobre teosofia [...] Estabeleceu-se um vínculo da Sociedade Teosófica com a Sociedade de Estudos Psicológicos e a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”.

O livro de Simoni Privato Goidanich comprova que a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, dirigida por Leymarie, passou a ser dominada economicamente pelo acionista Jean Guérin, um grande proprietário, ex-dirigente político do departamento de Gironda (sendo Bordéus a capital), admirador e apoiador de J.B.Roustaing. O apoio financeiro de Guérin à Sociedade Anônima gerou a hipoteca dos bens da Sociedade e dos imóveis doados por Allan Kardec. Anos depois, tudo foi perdido por ação movida por herdeiros de Guérin. Um fato tormentoso neste ínterim foi a ampla circulação de um panfleto de divulgação da obra de Roustaing, defendido pela então direção da Revista Espírita, provocando forte reação dos amigos e defensores do legado de Kardec, inclusive Gabriel Delanne, Léon Denis e Berthe Fropo. 

Dentro desse contexto de deturpações e polêmicas, as edições francesas de A Gênese, a partir da 5a edição de 1872 (aquela “revisada, corrigida e aumentada”) é que foram autorizadas para traduções em diversos países, por Leymarie, então dirigente da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec. A autora Simoni mostra que o pioneiro e líder espanhol José María Fernández Colavida traduziu e publicou a 2a edição de A Gênese, de 1868, em Barcelona (Espanha), mantendo-se fiel à edição de Kardec.

Simoni comprova que até a desencarnação de Kardec ocorreram quatro edições de A Gênese. Na meticulosa pesquisa registrada e comentada no livro El legado de Allan Kardec, Simoni Privato Goidanich provou que um único exemplar de A Gênese, publicado em 1868, foi depositado legalmente durante a existência física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Para a autora, esta edição é a definitiva e o Codificador não teria modificado o conteúdo. Entre outros fatos, a autora destaca o cuidado da época com que o Ministério do Interior fiscalizava as publicações, pois a França vivia momentos políticos tensos durante o reinado de Napoleão III.

O livro El legado de Allan Kardec tem riquíssimo valor histórico e é restaurador de importantes episódios que se encontravam encobertos. No final, registra Simoni Privato Goidanich: “A responsabilidade ante o legado de Allan Kardec é de todos os espíritas, e cada um herdará as consequências de seus atos e de suas omissões”.

Em nossa opinião o novo livro El legado de Allan Kardec reúne preciosas informações e documentação sobre as primeiras décadas em seguida à desencarnação de Allan Kardec, sendo um rico repositório da história do movimento espírita francês.

(Goidanich, Simoni Privato. El legado de Allan Kardec. 1.ed. Buenos Aires: Confederación Espiritista Argentina, 2017. 440p.)

(*) Foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

Fonte: Publicado originalmente na Rede Amigo Espírita – Disponível em http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blogs/fatos-p-s-kardec-na-fran-a-e-as-primeiras-edi-es-francesas-de-a-g acesso em 04/01/2018

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