Tenho dois amigos.
Eles foram “leprosos”, no Hospital de Dermatologia Sanitária.
Posteriormente,
curados da Hanseníase apresentaram sequelas graves. Mesmo assim, praticavam os
ensinamentos do Evangelho Segundo o Espiritismo. São exemplos de superação.
Conheci Amazonas
Hércules, quando fui assistir uma de suas palestras. Cheguei em cima da
hora e fiquei na última fileira. Uma muleta revelava sua deficiência física. Falou-nos
da vida e com poesia lembrou Jesus. (1)
Depois de mais de 50 anos, não me lembro bem
de suas palavras, mas, ficou a emoção como reforço da vacinação. Ensinava e
emocionava como Renato Teixeira: “ando
devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais. É preciso amor, pra poder
pulsar. É preciso paz pra poder seguir.”
O Conde Dimitri também fez
amizade com um leproso, que não teve a felicidade do tratamento com antibióticos
e quimioterápicos. Quem conta é Tolstoi.
“Kozlovsky é doente há uns vinte anos! Vive sozinho
com um anão. A mulher dele fugiu. Mas as autoridades encontraram-na e
fizeram-na voltar para tratar dele. Matou-se. Farmacêutico abastado, adoeceu e
a miséria colheu-o em suas redes. Por motivos políticos vira-se preso e sofrera
o degredo com trabalhos forçados, na Sibéria, e lá tivera início o seu terrível
mal, que progredira assustadoramente.”
O Conde Dimitri
resolveu visitá-lo e oferecer ajuda, para aliviar o sofrimento.
“A casa de Kozlovsky encontrava-se em adiantado
estado de ruína, tal qual o próprio dono. Quando o trenó parou à frente do
portão, gritaram de longe aos três viajantes: arredai-vos, não entreis! Trazeis
esmolas? Deixai-as no portão, que o criado retirará depois. Aí reside um
leproso!
— Leproso?... Disseram leproso?
— Pois disseram leproso, Conde Dimitri. Não devemos entrar... — apressou-se
Nikolai a intervir, aconselhando o amo.
— Mas, eu nunca vi um leproso... Como será?
Não creio que a lepra me atinja só por eu visitar
um leproso. Farei o seguinte: não lhe estenderei a mão e nem me sentarei.” (2)
Desde a juventude,
a Lepra estimulava a minha curiosidade. Talvez porque encontrasse doentes no
bonde. Eu morava perto de uma “colônia”.
Muito tempo
depois uma aluna manifestou desejo de produzir uma Monografia sobre o assunto.
Ficamos entusiasmados e convidamos um PhD em Comunicação para nos ajudar.
Juntos, escrevemos “Hanseníase, a Lepra e a Comunicação Dirigida”.(*)
Considerando
a importância da informação sobre a Lepra para estudantes do curso de graduação
em Enfermagem, o estudo descreveu a situação da Hanseníase no Brasil.
A
educação sanitária possui relevante papel no controle da doença infecciosa. Apresentando
a enfermidade de forma realista ela contribui para o seu tratamento correto e,
ainda, ajuda a desfazer estigmas e preconceitos. Por essa razão, fizemos a proposta do uso da Comunicação
Integrada. (3)
Como foi feita a comunicação ao leproso,
quando o Conde resolveu visitá-lo?
Qual a reação do doente diante de ato
inusitado e corajoso, daquele homem rico e poderoso?
“Dimitri foi recebido por um ser disforme,
pequenino, mal proporcionado, Era um
anão. Contudo, não era leproso e parecia irradiar saúde e alegria de viver.
.— Bons-dias, que desejais? Podeis deixar vossas
esmolas. Eu as retirarei.
— Deixaremos esmolas, mas desejamos também visitar
pessoalmente o doente.
O anão sobressaltou-se e fitou Dimitri com curiosidade :
— Quanto a isso não será possível, senhor! Perdoai-me! E nem o Sr. Kozlovsky o
consentiria.”
Após os
argumentos e a insistência de Dimitri, entraram.
“Visitas para vós paizinho. Eu não queria
permitir-lhes a entrada, mas insistiram. Talvez haja a intervenção dos amigos
espirituais nesse acontecimento. E permiti-lhes entrar...
— Sim, Karl. Fomos avisados, ontem, pelo nosso Anjo-Guia, de que receberíamos
visita significativa. Julguei tratar-se de visita espiritual. Quem, humano,
ousaria entrar neste tugúrio? Mas ei-la! aí está! Deus seja louvado.
De quem se trata?
O anão empertigou-se, e apresentou as visitas: O Conde Dimitri Stepanovitch Dolgorukov, Senhor
destes domínios, e seus pajens...
O doente pareceu surpreender-se, pois ergueu vivamente
a cabeça despida de cabelos. Os glóbulos dos seus olhos cegos, que uma membrana
esbranquiçada e esponjosa recobria, agitaram-se dentro das órbitas, cujos
rebordos das pálpebras já se viam corroídos pela Lepra.
O doente sentado em primitiva cadeira de rodas, já
rota e remendada, coberto com andrajos de lã; à beira de uma estufa que tivera,
outrora, o seu valor artístico.
Dimitri encontrava não propriamente um homem, mas
farrapos humanos em decomposição através da Lepra, um monstro de pernas
paralíticas, cego, leproso em adiantado grau, e cujas mãos, já sem dedos,
porque o mal terrível corroerá as falanges, eram incapazes de algo tentar para
os serviços do dono. O rosto, dir-se-ia máscara diabólica, pela fealdade, pois
dele desaparecera já parte do nariz, dos lábios e das orelhas, além dos
supercílios, e de cuja pele arroxeada e escalavrada, como se queimaduras a
alterassem, destilavam matérias asquerosas, exalando desagradável almíscar, tal
um suor pestífero.”
“O aviso, do
Anjo-Guia, da visita significativa” permite-me uma digressão para lembrar o querido
Marcondinho, Espírito Espírita, que conheci em Jacarepaguá, na antiga “colônia
de leprosos”.
Depois de algum
tempo na espiritualidade Marcondes me procura para demonstrar a imortalidade e
me dar a grande alegria de sabê-lo feliz, fora do velho corpo físico.
Vou contar
rapidamente, pois a mim me interessa divulgar o excelente trabalho O Paralítico de Kiev, da médium Yvonne
Pereira, no livro Ressurreição e Vida,
pelo Espírito Leão Tolstoi.
Estive com o Dr.
Reynaldo Leite, médium e Juiz de Direito, num
programa de TV, no Rio de Janeiro. Ali ele viu o Espirito, que desencarnara no "leprosário".
No Curupaiti, Ele aprendeu a amar a Religião dos Espíritos frequentando o Centro
Espírita Filhos de Deus. Com braços e pernas atrofiados, cego e numa cadeira de
rodas, chegou a trabalhar, pasmem, na reunião de desobsessão.
O médium o
descreveu, inicialmente, como um ser cego e muito deformado.
Eu, o
entrevistador e o Dr. Reynaldo estávamos sentados à mesa, antes do início do
programa, quando relatou a sua vidência.
Disse-me: “Formiga,
um Espírito que se diz seu amigo, me pediu para dar um recado. Disse que você vai
identificá-lo facilmente.”
“Ele surgiu ali na entrada, mas veio rolando
pelo chão, apresentando-se com pernas e braços muito atrofiados. Postou-se a
seu lado e disse que estaria junto, o tempo todo”.
“Em seguida,
exibindo radical transformação, transformou-se num belo espírito de luz.”
“Pediu-me para
lhe descrever como se encontra no mundo espiritual.”
“Formiga, você o
conhece?”
Sim. Aprendi a admirá-lo. Hoje está feliz,
graças ao estudo e prática das lições do Evangelho de Jesus. (4)
Como estaria o leproso Kozlovsky? No Céu
ou no inferno?
“Como te sentes hoje? Perguntou o Conde solidário.
O doente deixou entrever monstruosa crispação das
faces: era um sorriso. Respondeu com lágrimas na voz, em tom rouquenho, devido
à ausência das narinas.
Em seguida comentou a realidade das expiações
através de indagações pertinentes.
Porventura não é inferno viver assim uma alma, que
conheceu as glórias do poder, os caprichos do amor, o triunfo das paixões, os
regalos da fortuna, a fascinação das turbas prostradas aos seus pés, os gozos
vis da soberania cruel; não é inferno sentir-se retida numa cadeira de rodas,
prisioneira de si mesma, votada ao mais contundente abandono, sentindo, minuto
a minuto, a Lepra corroer-Ihe as carnes, devorar-lhe os olhos para torná-los
cegos, destruir-lhe as mãos, que outrora foram homicidas, para aprofundar as
suas mesmas amarguras; soltar-lhe os dentes, para detalhar o martírio e a
fealdade; deformar-lhe o rosto, para torná-lo monstruoso como o próprio caráter?
Já imaginou, Excelência, porventura, o infernal
suplício daquele que não possui mãos para os próprios serviços? Pois, eu não as
possuo mais!
Sabe, Excelência, como poderei ingerir os alimentos
se, por qualquer motivo, Karl não está presente para mos levar à boca, também
já aviltada, porque sem o paladar? Laço-o como o faz o animal: Karl deixa-os
aqui, sobre esta mesa, ao pé de mim. Se advém o apetite incontrolável,
tateio com os tocos destas mãos; deponho
o rosto sobre o prato e os vou retirando, com a boca.
— Não será, porventura, sentir-se retido nas
entranhas dos infernos o coração que, como o meu, amou loucamente uma mulher,
da qual fez sua esposa, por quem daria o sangue das próprias veias e a vida,
mas que, ao adoecer, viu-a fugir de si, apavorada da sua enfermidade e da sua
presença, e a qual, obrigada a voltar ao lar pelas autoridades judiciárias,
para tratar do esposo desgraçado, que sou eu, preferiu matar-se para se livrar
dele, a viver e ter de suportá-lo”?
Voltemos, novamente,
a colônia do Curupaiti.
Para não ir desacompanhado ao Hospital de Dermatologia Sanitária, convidei um colega, que iria pela primeira vez. A visita
era na enfermaria. Pouco depois, chegou um grupo de espíritas. Ao perguntarem
quem faria a oração antes do passe, Marcondes se ofereceu.
Sentados na cama acompanhamos sua prece, que
emocionou a todos. Agradeceu a Deus pelo dom da vida, pela oportunidade da
reencarnação e as Entidades Venerandas, que nos legaram a Codificação Espírita.
Ainda sentado
na cadeira de rodas, o doente Koslovsky continuou a dirigir-se ao Conde.
“Não estarei ainda hoje nos infernos, quando, irremediavelmente
cego posso ver, durante horas e dias (oh! a única coisa, Excelência, que é dado
aos meus olhos enxergar!), a alma conflagrada da mulher amada, enlouquecida nas
ânsias advindas do suicídio, a vagar, por entre gritos e blasfêmias, por esta mesma
casa onde habitou e foi feliz ao meu lado,
a me suplicar perdão, a me rogar socorro para suas desgraças, porventura
maiores do que as minhas, porque não encontra nem asilo, nem refúgio, nem
consolo, nem alívio em parte alguma, como suicida que foi, ao passo que eu
possuo a coragem da fé que deposito no amor do Criador e no destino da minha
alma?”
Lembrei do Anjo-Guia e de Eunice Weaver, o “Anjo
dos Leprosos”.
Eunice recebeu o título de cidadã benemérita do Rio
de Janeiro, de Minas Gerais e Bahia e o de cidadã honorária de dezoito cidades
brasileiras.
Quem seria o
Anjo de Kozlovsky?
O leitor vai me
excomungar, mas não vou contar o que Tolstoi revelou pela psicografia de Yvonne.
O Conde Dimitri
estava estupefato e seus pensamentos se atropelavam.
Kozlovsky
estaria também louco, atacado nas faculdades mentais?
Como poderá
viver assim sem enlouquecer?
“— Conheces, pois, os Evangelhos, ou a história do
Cristianismo do primeiro século? Perguntou Dimitri.
— Conheço, Excelência! O Evangelho há sido o grande
esteio onde me amparo para enfrentar as desventuras; o consolo supremo das
horas que aqui suporto, entre o amargor da miséria, o opróbrio da doença e a
solidão dos afetos. A tal ponto protegeu-me o Evangelho contra as desgraças que
me atacaram que, tal como me vê, assim monstruoso e sofredor, desfruto momentos
de tão intensa felicidade espiritual.
— Enquanto
possuí olhos e a dádiva da vista não me abandonara, li e reli os Evangelhos,
procurando assimilar a sua essência. Sobre eles meditei até horas mortas da noite...
e consegui encontrar o meio de suprir minha alma de conhecimentos bastante
preciosos, para me ampararem quando os olhos se apagassem, vencidos pela
moléstia. Li Swedenborg e os clássicos psiquistas ingleses... Li Allan Kardec,
esse francês genial e eminente, recém-falecido, que soube reunir, coadjuvado
por Espíritos, em cinco preciosos volumes, a Doutrina da Imortalidade, que
faltava à consciência humana... Li
Aksakof.
Assim tenho aprendido que, se sou o monstro que
aqui está, é que tenho vivido outras existências corporais neste mundo! Vivi
outras vidas no pretérito, durante as quais errei, cometi crimes, contra a
sociedade e as leis de Deus! E agora expio o passado, para expungir da
consciência a mácula desonrosa das infrações de outrora. Não obstante, repito,
sinto-me feliz! A Doutrina da imortalidade arrebata para os ideais mais
elevados e nos ensina a enfrentar acontecimentos da vida, por um prisma diverso
daquele que os outros homens adotam.”
O leproso me
fez lembrar o livro de Lin Yutang:
"Só aquele que encara despreocupadamente as coisas com
que se preocupam os homens pode preocupar-se com as coisas que os homens
encaram despreocupadamente." (5)
Como fazer chegar aos distraídos a elevada
missão da Ciência Espírita? (6)
O Conde não esperava pergunta embaraçosa e
o leproso não se fez de rogado:
“Excelência! Já ouviu falar da reencarnação? Pois é
sublime lei da Criação, que opera a reeducação das almas culpadas!
Vivi resplendente de poderio sobre o trono da
Rússia, em passada etapa reencarnatória! Fui Yvan, o Terrível, aquele Imperador
que semeou desgraças e sangue, desesperações e morte. Matei, com as próprias
mãos, várias de minhas esposas e até meu próprio filho.”
Dimitri bradou,
banhado em lágrimas: Oh! Que fazes,
quando semelhante tortura, que os infernos esqueceram de inventar, te
enlouquece a mente?
“— Que faço ?... Que faço ?... Volto-me
para Deus! Oro! Suplico a clemência dos Céus para ela, cem vezes mais
desgraçada do que eu, porque eu, eu, Excelência, possuo o tesouro de uma
certeza inabalável na misericórdia do Altíssimo, certeza que me consola e
revigora para levar, até final, a humilhação da minha vergonha de alma culpada
que se arrepende.. . ao passo que ela, ela, nem mesmo acredita em si própria,
na existência da própria alma em atribulações, pois supõe-se viva, a debater-se
em insondáveis pesadelos agravados pela minha presença!. ..
Yvan, o Terrível é sofredor, reduzido ao mais
trágico e mais sórdido nível social existente sobre a Terra! Degradado pelos próprios crimes pretéritos, cujas
repercussões expiatórias o perseguem há três longos séculos!
Muito arrependido está esperançado na reabilitação,
através da Dor e do Trabalho.
Está resignado ao compreender que, sendo alma
imortal, destinada a ininterrupta quão gloriosa ascensão para o Melhor, será
necessário que sofra, que chore, que se submeta e humilhe, para aprender que a
lei promulgada para as diretrizes das almas filhas de Deus é — Amor a Deus e ao
próximo —, caminho de luz que, um dia, o alçará à dignidade da união com Ele.”
Céu. Propriedade
particular, conquistada com trabalho sem propina.
Para a
conquista, as sete virtudes do Cavaleiro Templário ajudam extraordinariamente.
Com a fé, que é
a primeira, ele pode
saber e entender as coisas invisíveis. (7)
Yvan, o Terrível, foi Kozlovsky, o leproso
que leu Allan Kardec.
No Livro Obras Póstumas, a popularização do Espiritismo é
recomendada.
O Evangelho
Segundo o Espiritismo diz que a árvore do Cristianismo deve dar
os frutos de vida, de esperança e da fé. (8)
O que podemos fazer para ajudar a acordar
consciências, para que compreendam a elevada missão do francês genial?
(*) apresentado ao 17°
Encontro Nacional dos Estudantes de Enfermagem, Universidade Estadual do Ceará,
Fortaleza, Ceará. Julho, 1994. Classificado em 5º lugar entre os quarenta e
seis trabalhos apresentados.
Referências
1. http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2012/08/lacos-afetivos.html
http://www.aeradoespirito.net/ArtigosLCF/LACOS_AFETIVOS_LCF.html
2. http://www.feblivraria.com.br/febnet/paginas/ressurreicaoevida.pdf
3. http://formiga.iqm.unicamp.br/neu/hanseniasecomunicacao.pdf
http://formiga.iqm.unicamp.br/neu/artistaenfermeira.pdf
http://juli.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=2019480
4. http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2015/10/admiraveis-e-poderosos.html
http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2017/05/mediunidade-ou-surto-psicotico-emei.html
5. https://www.portaldoslivreiros.com.br/livro.asp?codigo=85054&titulo=A_Importancia_de_Viver
6. http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2016/11/a-elevada-missao-da-ciencia-espirita.html
https://rinconespirita.wordpress.com/dr-luiz-carlos-formiga/
https://issuu.com/merchita/docs/la_elevada_misi__n_de_la_ci__ncia_e
http://www.noticiasespiritas.com.br/2016/DEZEMBRO/01-12-2016.htm
http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/F_autores_FORMIGA_Luiz_