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Os perigos da fama – muito mais do que 15 minutos (*)



Wilson Garcia
Os fatores de risco do sucesso estão presentes na construção do mito, mas poucos são capazes de subtrair a eles ou de os considerar com a devida atenção. Por que? Isso é coisa para se analisar com carinho.
O movimento espírita – entenda aí os espíritas – entraram num ritmo frenético de produção de mitos desde que Chico Xavier partiu em 2002, antes que o silêncio das arquibancadas caísse sobre a seleção brasileira de futebol. Chico estava a caminho do centenário no corpo físico, mas a coletividade espírita como um todo esperava que ele se tornasse uma espécie de personagem bíblico que não morre antes dos 150 anos. Como se viu, foi em vão, apesar da surpresa que a morte causou.
O mito Chico, porém, ganhou forças com a ausência do espírito, de modo que continua aí plainando sobre as cabeças coroadas dos reencarnacionistas com ideias fixas de vidas anteriores e esperança vã de um futuro na imortalidade amparado pelo extraordinário médium mineiro. Os amigos do rei mantêm a chama com o combustível moldado pela ilusão, a fim de não perderem um contato que, afinal, lhes preenche o vazio da ignorância doutrinária e da falta de coragem para mudar e construir com o próprio sangue o caminho do Ser.
Toda ausência precisa de novas presenças, especialmente quando se trata de mitos. Se a inevitável mortalidade carrega o corpo e faz desaparecer do cenário visível o espírito imortal, nesta interexistencialidade repleta de diversidade de caracteres em que os que ficam não podem fugir da convivência com os seres invisíveis e, talvez mais dramático ainda, não podem definir tais personalidades com a mesma segurança que o fazem com os visíveis, então resta fortalecer o mito que partiu e substitui-lo por outros capazes de alimentar a continuidade dos sonhos e das ilusões.
Explica-se, pois, porque o momento é de construção em linha dos novos mitos. Existe uma ânsia desenfreada por eles, por aquilo que eles podem significar e por tudo o que, mesmo que irracionalmente, podem oferecer como esperança. O morto-mito vai para o lugar reservado à admiração e ao culto e por mais que seja louvado, deixou de ser de carne e osso, tornou-se uma individualidade sem a materialidade plausível ao tato, ao sorriso, ao olhar, enfim aos sentidos físicos. E o homem corpo não vive sem os sentidos do imediato.
Mas, repetindo Herculano Pires quando tratou do terrível cerco das lideranças ao médium Chico Xavier, o que os espíritas fazem com as novas inteligências que despontam no cenário da doutrina é de uma maldade sem fim. Ao invés de criar condições para que desenvolvam suas tarefas com tranquilidade e segurança, compreendendo-os como seres humanos frágeis e submetidos a um sistema incapaz de amparar o espírito no corpo, sistema cheio de perigosas armadilhas, cercam-nas como aves emplumadas e arrastam-nas para os palcos iluminados do sucesso vão.
Chico-mito não basta, porque Chico-mito é morto-mito. Velhas lideranças mediúnicas elevadas à mesma condição mitológica como substitutos passam a símbolos próximos da solidão tumular. Ou seja, o mesmo destino dado ao corpo do saudoso Chico ameaça a velhice do mito substituto e ninguém suporta a possibilidade de outra ausência sem que haja os candidatos prontos a preenchê-la de imediato. As viúvas do Chico que o digam, pois não cessam de chorar neste velório interminável, neste luto rapinoso em que as entranhas do corpo há muito feito pó continuam a ser sugadas pelo lamento dolorido dos que não aceitam a perda.
Muitas das novas inteligências, que aqui aportam cheias de projetos renovadores são engolidas pelo destrambelhado ritmo das lideranças espíritas desorientadas. Oferecem, sob o véu de uma suposta missão, a certeza do sucesso. Cercam-nas, repito, e não lhe dão tempo de pensar. Programam seu destino, preenchem seus dias, suas horas, colocam-nas nas redes sociais, gravam suas representações nos palcos que substituem as antigas tribunas, pagam suas passagens aéreas e seus hotéis, assessoram-nas indicando locais, temas, vestem-nas e as alimentam. Em pouco tempo, estão elas totalmente entregues e dominadas, de um lado acreditando na missão de que foram revestidas e na liberdade de escolha que de fato não têm. Tornam-se atores, quando deviam ser educadores. Recebem aplausos e são iludidos pelo som frenético dos aduladores, quando deveriam receber o abraço afetuoso que ampara e reanima. Definitivamente, o palco substituiu a tribuna, a imagem passou a valer mais do que a palavra.
Onde está o tempo do estudo e da reflexão, o momento do Ser com o Ser, a manifestação das inquietudes filosóficas, a busca por respostas que só acontecem no silêncio da consciência? Como construir e renovar, se a condição humana é subtraída antes até do próprio amadurecimento da personalidade? O sistema que as engole é o mesmo que toma de assalto os construtores do mito. É um sistema perverso, corrompido e corruptor, que alimenta a incessante necessidade de consumir, que prega a felicidade com o ter, o existir com a possibilidade de aparecer aos olhares deslumbrados.
Por fim, cria-se a ilusão de que os candidatos a mito, novos atores dos palcos-tribunas, possuem capacidade ilimitada de conhecimento, de forma a que passam ao estágio de sábios que a tudo podem e a tudo respondem. Tornam-se porta-vozes do espiritismo e passam a frequentar os programas midiáticos onde são incensados, os medíocres congressos espíritas onde são presenças repetidas a defender temas lugares-comuns, as redes sociais onde admiradores compartilham massivamente as mesmas imagens por dias e dias seguidos, numa forma de massacre da audiência completamente incapaz de fugir a este cerco.
Resta a esperança daquelas inteligências que, corajosa e sabiamente, negam-se a participar do sistema, preferindo o caminho do trabalho sério e discreto, consciente da importância da doutrina espírita, que está acima das individualidades. Mas – eis aí a perversa condicional –precisam enfrentar um outro tipo de luta: a do desprezo das lideranças comprometidas com o mito e o sucesso passageiro, pois são marginalizadas e sinalizadas como intelectuais das elites, que devem ser evitados por representarem suposto perigo ao espiritismo. Não aceitando a condição de atores dos palcos-tribunas, encontram dificuldades imensas para publicarem seus livros, exporem seus estudos, verem suas ideias debatidas e, acima de tudo, terem sua condição humana respeitada, longe dos exageros e da maldade dos parcos 15 minutos de fama. Sofrem com as ações ardilosas que lhe são armadas, que lhes fecham portas e com aqueles que fogem ao seu contato como se fossem portadores de terríveis doenças contagiosas. Apesar disso, resistem – e hão de resistir – pelo bem do futuro da doutrina, do Ser e de seu planeta.

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