Jorge Hessen
Certa
vez, um confrade segredou-me que não permitirá velórios no sepultamento de seus
familiares mais próximos, porque é totalmente contra tal tradição mortuária.
Não vê lógica doutrinária nesse tipo de cerimonial. Crê que após constatada a
desencarnação, em no máximo algumas poucas horas, deveriam ser feitos os
preparativos para o sepultamento, sem rituais religiosos.
Busquei
esclarecê-lo de que velório ou “velação” não é necessariamente um ritual
religioso”, portanto não está associado a religiões, até porque seu início
dá-se quando a pessoa está doente e precisa de ser velada, cuidada, vigiada.
Pois é! A origem da palavra velar que dá origem a velório vem do latim
"vigilare", que dá significado de vigilância. E mais: o termo velar
não se refere às "velas", flores, missas, cultos, mas (repito) ao
verbo "velar" (de cuidar, zelar).
O
dicionarista define o verbo velar como "ficar acordado ao lado de (alguém)",
"ficar acordado durante (um tempo)" e ainda "manter-se de
guarda, vigia" dentre outras definições. O termo tem uma conotação exata
se de fato as pessoas que vão "velar" o falecido, realmente o fazem
com atitude de zelo, vigília, respeito e de despedida do corpo que serviu ao
espírito durante a experiência que se encerra.
É
evidente que velar o defunto é atitude respeitável. No velório devemos orar
respeitosamente ao amigo que se despoja do corpo físico, dirigindo-lhe por
exemplo (como sugestão) a prece indicada por Allan Kardec contida no cap.
XXVIII, item 59 do Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado “Pelos
recém-falecidos”. [1] Protocolarmente ou não, no velório nos solidarizamos com
os parentes e amigos do “morto”, auxiliando no que for preciso, seja ofertando
um abraço fraterno ou apenas a presença serena, numa empatia repleta de
misericórdia, na base da paciência e do estímulo, da consolação e do amor, como
nos instrui Emmanuel. [2]
Em
contrapartida, em muitos casos essa celebração se desviou, e muito, do sentido
ético, pois acima das emoções justificáveis por parte dos parentes e amigos,
ostenta-se um funeral por despesas excessivas com coroas de flores, santinhos,
escapulários, velas que podem ser usados em doações a instituições assistenciais,
conforme instrui André Luiz. Ouçamo-lo: Os espíritas devem dispensar, nos
funerais, as honrarias materiais exageradas e as encenações, pois considerando
que "nem todo Espírito se desliga prontamente do corpo", importa,
porém, que lhe enviemos cargas mentais favoráveis de bênçãos e de paz, através
da oração sincera, principalmente nos últimos momentos que antecedem ao
enterramento ou à cremação. Oferenda de coroas e flores deve transformar-se
"em donativos às instituições assistenciais, sem espírito sectário".
[3]
Social,
moral e espiritualmente, quando comparecemos a um velório exercemos abençoado
dever de solidariedade, proporcionando consolação à família. Infelizmente,
tendemos a fazê-lo por desencargo de consciência formal, com a presença física,
ignorando o decoro espiritual, a exprimir-se no respeito pelo recinto e no
esforço de auxiliar o desencarnado com pensamentos elevados.
Ora,
o desencarnado precisa de vibrações de harmonia, que só se formam através da
prece sincera e de ondas mentais positivas. Em o livro Conduta Espírita, o
Espírito André Luiz mais uma vez adverte-nos para "procedermos
corretamente nos velórios, calando anedotário e galhofa em torno da pessoa
desencarnada, tanto quanto cochichos impróprios ao pé do corpo inerte. O
recém-desencarnado pede, sem palavras, a caridade da prece ou do silêncio que o
ajudem a refazer-se. “É importante expulsar de nós quaisquer conversações
ociosas, tratos comerciais ou comentários impróprios nos enterros a que
comparecermos". Até porque a "solenidade mortuária é ato de respeito
e dignidade humana". [4]
Deploravelmente,
poucos se dão ao cuidado de conversar baixinho, principalmente no momento da
remoção do cadáver do recinto para a “catacumba”, quando se amontoam maior
número de pessoas. Temos motivos de sobra para a moderação, cultivemos o
silêncio, conversando, se necessário, em voz baixa, de forma edificante.
Podemos
fazer referências ao finado com discrição, evitando pressioná-lo com lembranças
e emoções passíveis de perturbá-lo, principalmente se forem trágicas as
circunstâncias do seu falecimento. Oremos em seu benefício, porque “morre-se”
como “se vive”. Se não conseguirmos manter semelhante comportamento, melhor
será que nem compareçamos ou nos retiremos do ambiente, evitando alargar o
estrepitoso coro de vozes e vibrações desrespeitosas que afligem o
recém-desencarnado, até porque o “morrer” nem sempre é o “desencarnar”.
Referências
bibliográficas:
[1] Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. XXVIII, item 59, RJ: Ed. FEB, 1939
[2] Xavier, Francisco Cândido. Servidores no Além,
SP: Editora – IDE, 1989
[3] Vieira, Waldo. Conduta Espírita, RJ: Ed
FEB, 1999
[4] Idem