Jorge Hessen
Uma comovente batalha judicial dos pais
de um bebê britânico em estado terminal acabou envolvendo até mesmo o Papa
Francisco. Trata-se de Charlie Gard que sofre de síndrome de miopatia
mitocondrial, uma síndrome genética raríssima e incurável que provoca a perda
da força muscular e danos cerebrais. Ele nasceu em agosto de 2016 e, dois meses
depois, precisou ser internado, onde permanece desde então, no Hospital Great
Ormond Street, em Londres.
O serviço de saúde pública do Reino
Unido (NHS) explicou que Charlie tem danos cerebrais irreversíveis, não se
move, escuta ou enxerga, além de ter problemas no coração, fígado e rins. Seus
pulmões apenas funcionam por aparelhos. O NHS disse que os médicos chegaram a
tentar um tratamento experimental trazido dos EUA, mas Charlie não apresentou
melhora. Por isso, defende o desligamento dos aparelhos que o mantêm vivo.
Mas seus pais, Chris Gard e Connie Yates
- e uma comunidade de apoiadores -, lutam contra a decisão do hospital e pedem
permissão para levar o bebê aos Estados Unidos para receber o tratamento
experimental diretamente. No dia 27 de junho de 2017, entretanto, eles perderam
a última instância do pedido na Justiça britânica, que avaliou que a busca pelo
tratamento nos EUA apenas prolongaria o sofrimento do bebê sem oferecer
possibilidade de cura.
A Corte Europeia de Direitos Humanos
também concluiu que o tratamento "causaria danos significativos a
Charlie", seguindo a opinião dos especialistas do hospital, e orientou
pelo desligamento dos aparelhos. No dia 02 de julho de 2017, após a decisão da
Justiça britânica, o Papa Francisco pediu que os pais de Charlie possam
"tratar de seu filho até o fim". O Vaticano disse que o papa estava
acompanhando o caso "com carinho e tristeza".
O serviço de saúde pública do Reino
Unido (NHS) não propõe a eutanásia, mas a ortotanásia [1]. Os pais de Charlie
lutam pela distanásia, ou seja, desejam o prolongamento artificial do processo
de tratamento, o que para os juízes e médicos tem trazido sofrimento para
Charlie, e nessa situação a medicina não prevê possibilidades de melhoria ou de
cura.
No Brasil, médicos revelam que eutanásia
é prática habitual em UTI’s, e que apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de
um doente incurável é ato frequente e muitas vezes pouco discutido nas UTIs dos
hospitais brasileiros. [2] Nos Conselhos Regionais de Medicina, a tendência é
de aceitação da eutanásia, exceto em casos esparsos de desentendimentos entre
familiares, sobre a hora de cessar os tratamentos.
Médicos e especialistas em bioética
defendem a ortotanásia, como no caso de Charlie Gard, que é o ato de retirar
equipamentos ou medicações, de que se servem para prolongar a vida
- Charlie hoje se encontra em estado terminal. Ao retirar esses suportes
de vida (equipamentos ou medicações), mantendo apenas a analgesia e
tranquilizantes, espera-se que a natureza se encarregue de agenciar a
fatalidade biológica (morte).
Charlie está sofrendo com intensidade?
Sim, está! Mas toda dor tem a sua serventia. Sob o ponto de vista espírita,
aprendemos que a agonia física prolongada pode ter finalidade preciosa para a
alma, e a moléstia incurável pode ser, em verdade, um bem. Nem sempre
conhecemos as reflexões que o Espírito pode fazer nas convulsões da dor
biológica e os tormentos que lhe podem ser poupados graças a um relâmpago de
arrependimento.
Entendamos e acatemos a dor física, como
instrutora das almas e, sem vacilações ou indagações descabidas, amparemos
quantos lhes experimentam a presença constrangedora e educativa, lembrando
sempre que a nós compete, tão-somente, o dever de servir, porquanto a Justiça,
em última instância, pertence a Deus, que distribui conosco o alívio e a
aflição, a enfermidade, a vida e a morte no momento oportuno.
O verdadeiro cristão porta-se, sempre,
em favor da manutenção da vida e com respeito aos desígnios de Deus, buscando
não só minorar os sofrimentos do próximo - sem eutanásias passivas, claro! -
mas também confiar na justiça e na bondade divina, até porque nos Estatutos de
Deus não há espaço para dores injustas.
Notas:
[1]Etimologicamente, a palavra "ortotanásia"
significa "morte correta", onde orto = certo e thanatos
= morte. A ortotanásia, ou "eutanásia passiva" pode ser definida
como o não prolongamento artificial do processo natural de morte, onde o
médico, sem provocar diretamente a morte do indivíduo, suspende os tratamentos
extraordinários que apenas trariam mais desconforto e sofrimento ao doente, sem
melhorias práticas.
[2]Associação de Medicina Intensiva Brasileira nega
que a eutanásia seja frequente nas UTIs no Br