Pular para o conteúdo principal

Os Problemas enfrentados pelo Movimento Espírita após a morte de Allan Kardec e as atuações de Delanne e Denis



Leonardo Marmo Moreira


A palavra "derrocada" muito provavelmente é exagerada, mas, realmente, o movimento espírita francês enfrentou muitas dificuldades após a desencarnação de Allan Kardec.

A liderança do movimento espírita após a desencarnação de Kardec passou a ser "dividida" entre Pierre Gaëtan Leymarie e Amélie Gabrielle Boudet, mas, na prática, a viúva de Kardec passou a ser uma espécie de "presidente de honra", pois lenta e gradualmente, Leymarie foi isolando Madame Boudet das tomadas de decisões (vide a obra de nosso confrade Adriano Calzone, "Madame Kardec"). 

A centralização do poder por Leymarie começou a ser sentida no movimento espírita, em um primeiro momento, através da "Revista Espírita". De fato, o grande periódico deixado por Allan Kardec passou a ser dirigido por Leymarie, que imprimiu uma administração no mínimo "polêmica" (os mais críticos talvez arriscassem afirmar "caótica"). De fato, Leymarie era simpatizante das ideias e dos trabalhos de Roustaing, da Teosofia de Madame Blavatky e até da maçonaria. Assim, alegando estar respeitando o caráter evolutivo da Doutrina Espírita, para não deixar o Espiritismo estacionado no tempo, Leymarie passou a considerar para publicação artigos pouco doutrinários, desde que fossem espiritualistas.

Tais dificuldades acabaram repercutindo, pelo menos indiretamente, no chamado "Processo dos Espíritas" (processo que gerou o livro homônimo traduzido ao português por Hermínio C. Miranda), quando Madame Kardec e Leymarie vão para o banco dos réus em função de publicação de fotos de efeitos físicos.

O próprio Gabriel Delanne terá oportunidade de afirmar que os problemas que o movimento espírita enfrentava tinham sido causados pelo próprio movimento espírita.

Alguns confrades, aproveitando a menção a Delanne, poderiam questionar: Onde estavam Gabriel Delanne e Léon Denis nesse momento?

Quando Kardec desencarnou Gabriel Delanne, muito embora espírita militante, nascido em "berço espírita", tinha apenas 12 anos de idade e Léon Denis, muito embora mais velho que Delanne (tinha 23 anos quando Allan Kardec desencarnou) serviria o exército na Guerra franco-prussiana de 1870 e, apesar de já espírita, ainda não estava muito integrado ao movimento espírita. Ademais, Léon Denis era de Tour, interior da França, e não da capital. Longe de Paris, Denis demoraria mais tempo para ganhar uma certa notoriedade no movimento espírita da época. Tanto Delanne como Denis demorariam um certo tempo para publicar seus primeiros livros espíritas. Apesar de mais jovem, Delanne publicaria antes de Denis. De fato, em 1883 Delanne, já reconhecido como destacado trabalhador espírita parisiense, publicou "O Espiritismo perante a Ciência" e pouco tempo depois Léon Denis publicaria "O Porquê da Vida". Trata-se de um intervalo de aproximadamente catorze (14) anos desde a morte de Allan Kardec. No entanto, o intervalo entre a atuação efetiva no mundo físico de Kardec e a dupla Delanne/Denis, dependendo do tipo de análise, pode até ser considerado maior, pois Delanne e Denis passaram a exercer maior influência no movimento espírita somente da década 1890 e, principalmente, a partir de 1900.

No livro "Entre Irmãos de Outras Terras", da psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira, André Luiz entrevista Gabriel Delanne sobre os problemas que o Movimento Espírita enfrentou na Europa, e sobretudo na França, após a morte de Allan Kardec, e Delanne afirma que a França enfrentou três grandes guerras (a guerra franco-prussiana de 1870 e as duas grandes guerras mundiais), o que dificultou muito o andamento do movimento espírita francês. Essa opinião corrobora a análise de Léon Denis sobre o impacto da primeira guerra mundial sobre muitas sociedades espíritas que tiveram que ser fechadas (vale lembrar a obra de Denis intitulada "O Mundo Invisível e a Guerra").

Portanto, as guerras foram decisivas para os problemas no Espiritismo francês pós-Kardec, mas antes delas, a liderança do movimento espírita sofreu demais após a morte de Allan Kardec, principalmente pela falta de coerência doutrinária, principalmente no órgão de divulgação legado por Kardec, que era a "Revue Spirite". De qualquer maneira, a partir do momento em que Delanne e Denis conseguiram uma justa notoriedade, dentro do seio do movimento espírita, o cenário melhora sensivelmente. Realmente, a partir de então, haverá uma significativa revivescência do movimento espírita francês até meados da década de 1920, quando Denis, Delanne e também Gustave Geley e Camille Flammarion desencarnam. 

Subsequentemente, em 1935, desencarnaria o "Pai da Metapsíquica" e simpatizante do Espiritismo Charles Richet e estaríamos às portas da Segunda Guerra Mundial, que geraria, entre outras dificuldades, a ocupação nazista da França por quase meia década.

Nesse momento, Chico Xavier já atuava no movimento espírita brasileiro, pois já tinha publicado "Parnaso de Além-Túmulo" em 1932 e estava publicando "Cartas de Uma Morta", de Maria João de Deus, e "Crônicas de Além Túmulo" de Humberto de Campos. De fato, Chico Xavier converte-se ao Espiritismo aos oito de Julho de 1927 menos de três meses após a desencarnação de Léon Denis, o último dos quatro trabalhadores citados a retornar ao mundo espiritual (Denis, Delanne, Geley e Flammarion).

Assim, a "passagem do bastão", em termo de liderança do movimento espírita no mundo, da França para o Brasil, salvo melhor juízo, ocorreria, de fato, após a morte de Léon Denis, entre o final da década de 1920 e o início da década de 1930, com o início do mediunato de Chico Xavier, e não com a atuação de Bezerra de Menezes no Brasil. De fato, Doutor Bezerra desencarna em 1900, época que Delanne e Denis estavam chegando ao "auge" de suas atuações espíritas, o que ainda duraria mais de 25 anos! Vale lembrar que o tio espírita de Eurípedes Barsanulfo geraria a "conversão" do querido sobrinho ao Espiritismo em meados da primeira década do século vinte, ao emprestar para ele uma cópia da maravilhosa obra de Léon Denis "Depois da Morte".


Logo, apesar de uma significativa e compreensível "crise" no movimento espírita francês nos anos imediatamente subsequentes à morte de Allan Kardec, a atuação verdadeiramente apóstólica de Gabriel Delanne e Léon Denis manteve vivo o legado kardequiano por muitas décadas, inclusive durante e após a primeira guerra mundial.

Postagens mais visitadas deste blog

O livro “Maria de Nazaré” do autor espiritual Miramez pela mediunidade de João Nunes Maia: Uma análise crítica”

Leonardo Marmo Moreira O zelo doutrinário e o cuidado em não aceitar utopias antes delas serem confirmadas é o mínimo de critério que todo espírita consciente deve ter antes de admitir algo dentro do contexto do estudo espírita. Esse critério deve ser ainda mais rigoroso antes do espiritista sair divulgando ou citando, enquanto expositor ou articulista espirita, tais dados ou informações como corroborações a qualquer ideia ou informações, ainda mais quando digam respeito a realidades de difícil constatação, tais como detalhes da vida do mundo espiritual; eventos espirituais envolvendo Espíritos de elevadíssima condição, episódios espirituais de um passado distante, entre outros. Esse tipo de escrúpulo é o que faz com que o Espiritismo não seja apenas uma religião convencional, mas esteja sustentado em um tripé científico-filosófico-religioso, cujo material de conexão dos vértices desse triângulo é a fé raciocinada.  Temos observado confrades citarem a obra “Maria de Naz

A Tangibilidade é uma Manifestação do Corpo Mental

  José Sola Um dos atributos de Deus apresentado por Allan Kardec é de que a Fonte Originária da Vida, em sua essência, é imaterial. Somos ainda informados pelo mestre Lionês, de que o espirito é uma centelha divina emanada do Criador, o que nos leva a concluir que o espirito é imaterial, tanto quanto Deus. E no intento de corroborar o que estamos informando, vamos apresentar algumas questões de Kardec que nos permitirá analisar com maior clareza este conceito. 25 - O espirito é independente da matéria, ou não é mais do que uma propriedade desta, como as cores são propriedades da luz e o som uma propriedade do ar? R – São distintos, mas é necessária a união do espirito e da matéria para dar inteligência a esta. Nestas palavras do Espirito da Verdade fica explicitado que espirito e matéria são elementos independentes, mas que é o espirito o eu diretor da matéria, assim, é ele que propicia inteligência a mesma. 26 - Pode se conhecer o espírito sem a matéria e a matéria

Armas de fogo para quê? Somos pela paz

Armas de fogo para quê? Somos pela paz Jorge Hessen  jorgehessen@gmail.com Brasília - DF  Um encontro entre jovens, em um condomínio de luxo de Cuiabá, se tornou uma tragédia no dia 12 de julho de 2020. Naquela tarde, como fazia com frequência, Isabele Guimarães, de 14 anos, foi à casa das amigas. Horas depois, a jovem foi morta com um tiro no rosto. A autora do disparo Laura, também de 14 anos, relatou à polícia que atirou de modo acidental em Isabele. A adolescente afirmou que se desequilibrou, enquanto segurava duas armas, e disparou. A família da Isabele não acredita nessa versão. Laura praticava tiro esportivo desde o fim de 2019. Ela participou de duas competições e venceu uma delas. (1) Hoje em dia , adolescentes como Laura podem praticar tiro esportivo sem precisar de autorização judicial, graças ao decreto assinado pelo atual presidente do Brasil. A família de Laura, a homicida, integra uma categoria que tem crescido no país, sobretudo durante o atual governo brasilei