Divulgando O
Espiritismo, ou o interesse pessoal?
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Carlos Alberto Braga Costa |
Carlos Alberto
Braga Costa
Belo
Horizonte-MG
Diante do
progresso tecnológico e da velocidade com que se propagam as informações, torna-se
empolgante ver o crescimento da divulgação do Espiritismo, atingindo índices
inimagináveis.
Um dos exemplos
bem sucedidos é o trabalho realizado pela equipe da RAE – “Rede Amigo Espírita”.
São milhões de acessos nas diversas plataformas de divulgação, centenas de milhares
de seguidores que encontram conteúdo sério e qualificado para atender,
gratuitamente, às mais variadas demandas. Chamamos atenção para um fato
marcante. O conteúdo de vídeos, artigos e mensagens são produzidos pela equipe
da RAE, no entanto, o percentual maior é preparado pelos trabalhadores do
Espiritismo que militam em diversas partes do planeta.
Trabalho feito
pelo povo, portanto, para o povo, conforme apregoa Jesus em Seu Evangelho. “Voltarei para vós e permanecerei para sempre.”
[1]
Exaltamos o
caráter desinteressado do seu idealizador e coordenador, bem como da equipe que
trabalha em satisfatória harmonia e eficiência. Com simplicidade e abertura democrática, assim
caminha a “Rede Amigo Espírita” na direção do que se propôs, bem antes dos
integrantes reencarnarem.
A qualidade e
eficácia, rapidez e objetividade da divulgação foi prenunciada por nosso Mestre
Jesus, na Profecia das profecias:
"O
que digo a vocês na escuridão, repitam à luz do dia, e o que vocês escutam em
segredo, proclamem sobre os telhados". [2]
Sem a pretensão
de aprofundar na análise espiritual, podemos direcionar o tema para a
divulgação do Espiritismo através de rádio, TV e satélites, transitando das
antigas antenas às inovadoras parabólicas, passando pelos transmissores de alta
tecnologia e culminando, com a internet, nas bibliotecas virtuais.
Por certo,
daqui a alguns anos, o conceito vai mudar. No entanto, é inegável que os tempos
prenunciados pelo Divino Amigo chegaram disponibilizando ferramentas
fantásticas para compartilhar conteúdos que tocam os mais incrédulos e incidem
nos mais renitentes ao progresso.
Allan Kardec, O
Codificador do Espiritismo, o Precursor das Felicidades Celestiais, na visão do
Espírito Erasto, ansiava por ver o Espiritismo vencendo as barreiras
provincianas e temporais para combater o materialismo, impulsionado pelo
progresso da imprensa.
Vejamos o que
afirmara o Mestre de Lyon:
"O
materialismo é um dos vícios da sociedade atual, porque engendra o egoísmo. O
que há, com efeito, fora do eu, para quem tudo liga à matéria e à vida
presente? Intimamente vinculada às ideias religiosas, esclarecendo-nos sobre
nossa natureza, a Doutrina Espírita mostra-nos a felicidade na prática das
virtudes evangélicas; lembra ao homem os seus deveres para com Deus, a
sociedade, e para consigo mesmo. Colaborar na sua propagação é desferir um
golpe mortal na chaga do cepticismo que nos invade como um mal contagioso;
honra, pois, aos que empregam nessa obra os bens com que Deus os favoreceu na
Terra!" [3]
Sobre o poder
da divulgação, utilizando as ferramentas da comunicação, assim pensava o
Codificador:
"Dizendo
que o Espiritismo propagou-se sem o apoio da imprensa, queríamos nos referir à
imprensa geral, que se dirige a todos, àquela cuja voz impressiona diariamente
milhões de ouvidos, que penetra nos mais obscuros recantos; àquela que permite
ao anacoreta, na solidão do deserto, estar tão perfeitamente a par do que se
passa no mundo quanto os habitantes das cidades; enfim, da que semeia ideias a
mancheias. Que jornal espírita pode vangloriar-se de fazer ressoar os ecos do mundo? Fala às
pessoas que têm convicção; não atrai a atenção dos indiferentes. Falamos, pois,
a verdade, quando dizemos que o Espiritismo foi entregue às próprias forças;
se, por si mesmo, já deu tão grandes passos, que será quando dispuser da
poderosa alavanca da grande publicidade! Enquanto aguarda esse momento, vai
plantando balizas por toda parte; seus ramos acharão pontos de apoio em todos
os lugares e, finalmente, em toda parte encontrará vozes cuja autoridade imporá
silêncio aos detratores. [4]
Vivemos esse
tempo, assistindo a Humanidade dar passos decisivos rumo a uma Nova Era, na
qual veremos também a Doutrina Espírita alcançar mentes e corações através de
uma alavanca poderosa de publicidade.
Lidamos nesse
mister da divulgação do Espiritismo há 30 anos, em diversos departamentos do
Movimento Espírita, o que nos motiva a rascunhar esta despretensiosa reflexão,
diante do espetáculo da evolução.
Erros, acertos,
sonhos, realizações, alegrias, decepções, coerências, deturpações, facilidades,
dificuldades; o aprendizado marca o livro da vida de todos que encantados somos
pelo Espiritismo. Saímos da zona de conforto para dividir ideais e luzes. Nessa
caminhada, o andarilho se inspira na análise crítica construtiva.
No momento atual,
marcado pela alucinação psicológica, encontramos no Movimento Espírita algumas escolhas
complexas e seus frutos monstruosos. Resultado de ações isoladas, que acabam
por fomentar desvios e perversões, em sintonia com interesses das trevas que
visam impedir e deturpar a Obra do Consolador.
Filósofos e historiadores
analisam os fatos para não repetir os mesmos erros, mas, na prática,
verifica-se que a repetição dos equívocos faz parte da evolução, que ocorre por
desatenção ou por imaturidade psicológica e moral. Eis a singela explicação das
incoerências que cometemos dentro do Movimento Espírita.
Em se tratando
de divulgação, relembramos uma carta de Francisco Cândido Xavier, publicada no
livro “Testemunho de Chico Xavier”, editado pela FEB, na qual o médium afirma
que Emmanuel adverte “que a tarefa não é apenas de divulgação, mas de construção”.
[5]
A palavra
construção sugere muitas coisas, dentre elas, projeto, fase de elaboração e
realização, etapas e metas a serem atingidas. Finalmente, PLANEJAMENTO.
Portanto, para
divulgar precisamos muito mais do que, em tese, "conhecer" o
Espiritismo, ter equipamento, internet, pessoas com boa vontade. Devemos
analisar o que divulgar, o objetivo a ser alcançado e como fazê-lo e, acima de
tudo, ter comprometimento com a Doutrina Espírita.
Sem dúvida, é
imperioso ter preparo técnico e algum investimento. No entanto, o que deve
preponderar é a essência moral, tanto na forma como na essência em se tratando
da divulgação.
Nesse mister, a
lógica aponta para a necessidade de discutirmos a importância da comunicação
espírita, em tempos de muitas mudanças, para não nos perdermos com resultados
transitórios e materiais das empreitas.
Intencionamos enfatizar
o desinteresse dos trabalhadores e nos comprometer com a autoridade que o
trabalho implica. Precisamos estar abalizados pelos Benfeitores Espirituais, e
para tal, a conduta do médium/trabalhador é importante e imperiosamente intransferível.
Allan Kardec,
em diversos textos contidos nos livros fundamentais e na Revista Espírita,
enaltece o valor do desinteresse. Vejamos uma mensagem publicada na Revista
Espírita 1860, assinada pelo Espírito de Verdade, na qual encontramos uma séria
advertência para os responsáveis na divulgação do Espiritismo:
“(...) Fostes escolhidos para serdes o espelho que deve receber
e refletir a luz divina, que deve iluminar a Terra, até então mergulhada nas
trevas da ignorância e da mentira. Mas se não estiverdes animados pelo amor do
próximo e por um desinteresse sem limites; se o desejo de conhecer e propagar a
verdade, cujas vias deveis abrir à posteridade, não for o único móvel a guiar
os vossos trabalhos; se o mais leve pensamento íntimo de orgulho, egoísmo e
interesse material achar lugar em vossos corações, não nos serviremos de vós
senão como o artífice, que provisoriamente emprega uma ferramenta defeituosa;
viremos a vós até que tenhamos encontrado ou provocado um centro mais rico do
que vós em virtudes, mais simpático à falange de Espíritos que Deus enviou para
revelar a verdade aos homens de boa vontade. Pensai nisto seriamente;
descei aos vossos corações, sondai-lhes os mais íntimos refolhos e expulsai com
energia as más paixões que nos afastam. A não ser assim retirai-vos, antes de
comprometerdes os trabalhos de vossos irmãos pela vossa presença, ou a dos
Espíritos que traríeis convosco.
O Espírito de Verdade" [6]
Estudando a biografia
de Allan Kardec, constata-se que ele seguiu essa norma. Dedicou
DESINTERESSADAMENTE ao trabalho e jamais auferiu qualquer moeda ou vantagem
pelo seu encargo MISSIONÁRIO.
Por isso, a erva daninha do "interesse pessoal" deve ser
vigiada com muita atenção, pois cresce sutil e irreverente, trazendo furúnculos
que deterioram inapelavelmente a essência doutrinária a ser veiculada.
Encontramos na
Internet absurdas cobranças pecuniárias bem maquinadas para acesso a palestras,
vendas de conteúdo “doutrinário” duvidoso, portais que clamam pela presença de
neófitos, que assustam até os materialistas com pagamentos de mensalidades,
contrapondo o ensino de “dar de graça o
que de graça...” Tudo isso para alimentar a indústria disfarçada de religião,
alimentando pseudo ídolos que, sentados na cadeira de supostos missionários, iludem
tanto quanto são embriagados com o licor de uma fingida superioridade moral,
embora erigida e autorizada por indigentes fãs-clubes, se comparados aos tempos da beatlemania.
Em cada época
seus modismos. Sempre efêmeros, na verdade.
Vejamos as “pílulas”
em áudio e vídeo que invadem as redes sociais em nome da Doutrina Espírita, não
atendendo nem às propostas ditas “espiritualistas”. Encantam os apressados, sem
nada ensinar. Recortes do superficial. Agem sutilmente para aumentar a galeria
dos famosos plagiadores, que vez por outra até citam de onde buscaram. No
entanto, na maioria das vezes, usando do carisma, que poderia fazer luz, preferem
“revelar” a descoberta da roda. As pílulas psicotrópicas entoam o canto da
sereia, para que o crente, apaixonado, depois de fisgado se torne adepto
colaborador de uma seita falaciosa, que é engrinaldada pelo dístico de Espiritismo.
Na atualidade,
às voltas com descobertas valiosas feitas por pesquisadores comprometidos com a
CAUSA, devemos aprender com a história do Movimento Espírita que, desde a
partida de Allan Kardec, viu surgir incautos que empreenderam sofisticada peregrinação
na senda duvidosa. Chegaram trazendo
cizânia e desvio, tanto pelo vil comércio como pela indústria das doações,
arrecadações de fontes complicadas em nome dos privilégios para "chefes” e
“sacerdotes", inserção de polêmicas e assuntos que contradizem os fundamentos
doutrinários, e outros temas que entediam até o mais paciente purista.
E o que pensar da propalada divulgação através de seminários, congressos, workshops? Temos material para escrever compêndios sobre o tema. Há belos eventos, regados à simplicidade e de valor doutrinário considerável. No entanto, na grande maioria dos conclaves, o que se constata é o exclusivismo, o elitismo e a pirotecnia emocional. Quais os temas doutrinários que são discutidos, ou ações para qualificar o Movimento Espírita? Missa de corpo presente, tendo os mesmos sacerdotes conduzindo apresentações pessoais e o povo se revezando para dizer amém.
Há ainda uma novidade que nos remete aos comícios políticos: frases de efeito, aplausos frenéticos. Belas festas regadas ao frisson dos corredores de Versalhes. Espero que alguém nos mostre algo diferente do que o buraco negro do ufanismo.
Para terminar, relembro do Congresso Espírita em Brasília, em abril de 2010, na comemoração do centenário de nascimento do Venerando médium Francisco Cândido Xavier. Pasmem! Vendas de medalhas de ouro com a face do santo Chico Xavier, com os preços variando entre 500,00 até 15.000,00. God Save the Queen! Deus salve a Rainha!
Ufa! Ainda bem
que já se passaram 8 anos, quase esquecemos. Espero que não façam o mesmo com o
nosso amigo Divaldo Franco depois de desencarnar. Temos convicção de que o tribuno
baiano não ficará nada satisfeito com a comercialização da sua imagem de santo
de qualquer causa impossível.
Então, questionamos:
Tudo isso tem alguma coisa a ver com os princípios do Espiritismo dos tempos de
Allan Kardec? Seria esse tipo de divulgação que vislumbrava o nosso Mestre de
Lyon, 150 anos após? Ou em nome da modernidade estamos nos afastando e
disputando o campeonato do interesse pessoal?
A História do
Espiritismo, no Brasil e em outras plagas, é farta de expoentes que foram
leais, ao Codificador e à Doutrina Espírita. Então nos perguntamos: A
despersonalização, o trabalho em equipe está perdendo a batalha cruel para o
individualismo que se incendeia ao calor das vaidades portentosas?
Recordo do
querido e saudoso Arnaldo Rocha, amigo de Chico Xavier, com a sua frase
predileta: “A ilusão campeia em nosso
meio, e o Sr. Allan Kardec continua um ilustre desconhecido”.
Como espíritas,
devemos lutar contra todos os obstáculos que prejudicam a boa e nobre
divulgação da Doutrina Espírita. Sem dúvida que essa luta começa em nós mesmos que,
por consequência, redundará em exemplos na tarefa em comunidade espírita. Nada
obstante, essa batalha só poderá ser travada se for aberto o debate, pois
ninguém tem a verdade absoluta.
O momento é
grave, e o chamamento é impostergável. Devemos bradar fraternalmente, conclamando
a humildade do reconhecimento.
Não temos
dúvida que nenhum espírita consciente dos seus deveres quer escorregar ou ver
um desastre no salão da vida. Por isso, chega o tempo de recolher os cacos da
taça da ilusão que se espatifa toda vez que perdemos o foco dos objetivos
traçados. Quanto aos detritos da vaidade devemos recolhê-los para evitar cortes
que exijam regeneração dolorosa.
Portanto, o
momento é para resignificar!
Enfim, com Jesus
e Allan Kardec, na divulgação, o roteiro se torna claro: vigilância e prudência;
amor e perseverança; alegria e humildade; consolo e esperança; simplicidade e
firmeza; fé e esperança; caridade e sintonia com os Benfeitores; desinteresse e
honestidade para com a Doutrina Espírita.
Culminamos
estas reflexões sob a inspiração das palavras do Espírito Emmanuel, que nos
conclama a dignificar a Doutrina Espírita para que a Doutrina dos Mundos possa
nos abençoar e libertar para a Glória do Infinito:
"Porque a Doutrina Espírita é em
si a liberalidade e o entendimento, há quem julgue seja ela obrigada a
misturar-se com todas as aventuras marginais e com todos os exotismos, sob pena
de fugir aos impositivos da fraternidade que veicula. Dignifica, assim, a
Doutrina que te consola e liberta, vigiando-lhe a pureza e a simplicidade, para
que não colabores, sem perceber, nos vícios da ignorância e nos crimes do
pensamento. "Espírita" deve ser o teu caráter, ainda mesmo te sintas
em reajuste, depois da queda. "Espírita" deve ser a tua conduta,
ainda mesmo que estejas em duras experiências. "Espírita" deve ser o
nome de teu nome, ainda mesmo respires em aflitivos combates contigo mesmo.
"Espírita" deve ser o claro adjetivo de tua instituição, ainda mesmo
que, por isso, te faltem as passageiras subvenções e honrarias terrestres.
Doutrina Espírita quer dizer Doutrina do Cristo. E a Doutrina do Cristo é a
doutrina do aperfeiçoamento moral em todos os mundos. Guarda-a, pois, na
existência, como sendo a tua responsabilidade mais alta, porque dia virá em que
serás naturalmente convidado a prestar-lhe contas".[7]
Ave, Cristo!
Referências
bibliográficas:
[1]João 14:16
[2]Mateus 10:27
[3]KARDEC,
Allan. Revista Espírita, janeiro de 1858, RJ: Ed. FEB, 2004
[4]KARDEC,
Allan. Revista Espírita, janeiro de 1858, RJ: Ed. FEB, 2004
[5]SCHUBERT,
Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier, RJ: Ed FEB, 1986
[6]KARDEC,
Allan. Revista Espírita, janeiro de 1860, RJ: Ed. FEB, 2004
[7]Xavier, Francisco Cândido. Religião
dos espíritos, ditado pelo Espírito Emmanuel, 22ª. edição, RJ: Ed FEB, 2012